top of page

Gente do Rio: Sr. Osmar da Praça XV, o jornaleiro do povo

  • Foto do escritor: Vanessa Barcellos
    Vanessa Barcellos
  • 17 de jul. de 2019
  • 5 min de leitura

Atualizado: 7 de out. de 2020

Texto feito para uma disciplina do curso de Jornalismo na UFF.


Por: Vanessa Barcellos e Andrezza Buzzani


"Na banca do Osmar, tristeza não tem lugar"


Osmar da Praça XV. / Foto: Vanessa Barcellos

“O seu Osmar é praticamente um patrimônio público da Praça XV”. Quando perguntamos para Marcus Vinicius quem era o Sr. Osmar, ele não hesitou ao responder. Desde 2002, quando começou a trabalhar no Centro do Rio, Marcus Vinícius criou uma relação de amizade e companheirismo com Osmar. Todos os dias, ao terminar sua rotina de trabalho, ele faz questão de dar uma passadinha para bater um papo como o amigo. Mas, afinal, quem é o famoso Sr. Osmar da Praça XV?

Trabalhando há 30 anos no local, Sr. Osmar tem 53 anos e é jornaleiro. Mas não um jornaleiro qualquer! Você acredita que existe até uma música inspirada nele? O que diz a letra é a mais pura verdade: “Na banca do Osmar, tristeza não tem lugar!”. Isso você constata ao chegar à banca e ver o sorriso que se abre no rosto do freguês que se aproxima. Com o senso de humor sempre apurado, Osmar costuma dizer que é angolano: “É zoação de jornaleiro, eu sou carioca mesmo. Eu brinco aqui assim”.

Na infância, o pequeno Osmar e o irmão Osvaldo estudavam, mas também faziam serviços extras para ajudar na renda de casa. “Sempre foi uma vida sofrida, mas muito feliz, porque a gente gostava dos trabalhos que fazíamos. Nós já catamos latinha, ferro e fazíamos pipa para vender. Mesmo assim, essa era nossa diversão. Ganhávamos um dinheiro para poder curtir um cinema. Naquela época, era tudo mais difícil”.

No fim do Segundo Grau, Osmar não conseguiu prosseguir com os estudos e precisou trabalhar. Ainda jovem, tinha o sonho de ingressar na Marinha. Aos sábados, ele saía de São Gonçalo para fazer um curso preparatório no Rio. Chegou a fazer várias provas, mas acabou desistindo. Trabalhou até como faxineiro em Niterói.

Em 1988, já com 20 anos, estava desempregado. Na época, seu irmão trabalhava numa lanchonete nas barcas da Praça XV. Oswaldo tentou ajudar e lhe conseguiu uma vaga numa banca de jornal próxima. No início, era responsável por montar os jornais: “Chegava 1h da manhã e saia às 6h com os jornais todos montados, prontos para vender. Nessa época, eu não trabalhava dentro da banca, até que surgiu a oportunidade. Dois anos depois, comecei a assumir a banca”.

Durante esses 30 anos, Osmar acompanhou várias mudanças na região. Ele relembra cada transformação da Praça XV, com a rua que existia atrás de sua banca, a demolição do viaduto até as mais recentes reformas. “O tempo foi passando e modificando as coisas, não só a praça. Até a estrutura da banca foi crescendo e ficando maior”.

Hoje, Osmar e Osvaldo trabalham juntos na banca, dividindo-se entre os turnos da manhã e da tarde. A relação fraterna entre os irmãos vai além do convívio familiar e a parceria faz com que o trabalho dê certo. O que para muitos pode parecer um incômodo, como trabalhar em finais de semana e feriados, para eles não é nenhum sacrifício.

Uma das coisas mais legais que Sr. Osmar conquistou nesses anos na banca foram os laços de amizades. “As pessoas fazem questão de vir aqui me contar as coisas. Eu tenho amigos que me apresentaram os filhos ainda bebês. Hoje, essas crianças, que antes estavam no colo, já passam aqui com os filhos, como se fosse um filme”. Monica é um exemplo dessas amizades. Seu pai era amigo do jornaleiro, ela o conhece há mais de 20 anos e continua frequentando o local. Algumas amizades resultaram em música. O compositor Paulo Moreno escreveu o samba que exalta a alegria do local. A mensagem da letra é fiel à energia que contagia a banca do Osmar. “Aqui é o point da galera. É uma terapia para quem vem aqui”, brincou o jornaleiro.


(Ouça aqui a música dedicada ao jornaleiro!)


Quando alguém chega mal-humorado, Sr. Osmar trata logo de dizer: “Aqui não é lugar de ficar com essa cara não, vamos colocar um sorriso aí”. Gosta de fazer brincadeiras e de divertir os clientes. “O bom tratamento que a gente consegue passar para as pessoas é o que atraímos de volta”. Ele trata como alunos os pequenos que se aproximam das revistas pedindo para ler. “As crianças vinham para cá e perguntavam: ‘Tio, posso ler um gibi?’ Aí eu dizia, pode pegar, senta ali e lê. Depois, você devolve. Quando chegava algum mais alterado, que queria fazer alguma coisa, os outros não deixavam e falavam: ‘Não mexe com o tio não, porque ele é legal!’”.


Banca do Osmar. / Foto: Vanessa Barcellos

Em meio a tantas outras bancas do local, como identificar a do Sr. Osmar? A banca da alegria tem na entrada duas árvores que foram doadas pela Editora Abril. Todos os jornaleiros receberam mudas, mas as de Sr. Osmar sobreviveram firmes e fortes. Talvez a receita para a fertilidade seja o carinho que Osmar lhes dedicou, já que gosta de jardinagem e cultiva um jardim em casa. No período das obras que ocorreram na Praça XV para as Olimpíadas, engenheiros queriam removê-las. Ele interveio e disse que não deixaria que levassem suas companheiras. As árvores permaneceram com o jornaleiro e ganharam até vasos novos feitos pelos trabalhadores da obra que quase as haviam levado para longe.


Livro de Olavo Daniel que possui um poema dedicado ao Sr. Osmar.

O clima de carinho e afeto que Osmar transmite é capaz de ajudar muitas pessoas. Certa vez, encontrou um homem com um olhar distante e perdido. No momento em que o viu, quis ajudar: “Tinha uma pessoa que estava ali parada e olhava para o nada, parecia um pouco desorientada. Eu perguntei se tinha acontecido alguma coisa, se ele queria conversar. Ele começou a se abrir e a falar, e eu o trouxe aqui para banca. Ele contou sua vida, dizendo que estava desempregado, com problema em casa, pensando em tirar a própria vida. Percebendo, contei a minha história e ele me disse: ‘Muito obrigado! Você acabou de salvar uma vida’. Aquilo me fez um bem danado. Ele se recuperou e escreveu até um livro – e eu estou nele”. O livro de Olavo David é uma coletânea de poemas. Um deles foi inspirado na história de um passarinho que fez ninho numa das árvores que o Sr. Osmar recebeu da editora Abril.

Todos os anos, o jornaleiro faz questão de reunir os amigos para uma confraternização. Quando pensou na possibilidade de se aposentar, logo teve uma resposta curta e direta da amiga Mônica: “Se ele pensar em sair daqui, nós vamos fazer um abaixo-assinado. Acaba a Praça XV”. Ao ouvir isso, Osmar lembrou o período em que sua banca estava ameaçada pela prefeitura. Clientes, trabalhadores da região e amigos fizeram um abaixo-assinado e permaneceram na banca até 3h da manhã em protesto. “Isso aqui parecia uma festa. A galera toda veio querendo me ajudar”.

O Sr. Osmar é assim: um jornaleiro que vive pelo trabalho e ama o que faz. Quando lhe perguntamos como se definia, não pensou duas vezes: “O Osmar é um amigão de todos, que gosta de ajudar as pessoas e que é do povo mesmo”.

Comments


© 2022 Vanessa Barcellos. Todos os direitos reservados.

bottom of page