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  • Foto do escritorVanessa Barcellos

As cores e memórias de Claudia Chilaze

Texto feito para o Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo na Universidade Federal Fluminense.


Entre ruelas e lojas da Saara, uma explosão de cores toma conta da Rua Senhor dos Passos no número 197. É impossível não perceber e não notar a organização dos acessórios que ornam como um arco-íris a parede, cada cor em seu lugar. No balcão, ao lado do caixa, uma mulher de cabelos cacheados informa as vendedoras sobre os novos produtos que estão por vir. Claudia Chilaze, com 52 anos, dirige a parte criativa da empresa fundada por seu avô no ano de 1940.


Os produtos do Atelier Chilaze são organizados por cor e categoria. | Foto: Vanessa Barcellos

“O que me marcou muito, foi a história do meu avô. O fato dele sair lá da terra dele, largar tudo pra trás e ainda sem conhecer ninguém. Isso me impulsiona!”. O brilho toma conta dos olhos de Cláudia, que se emociona ao contar a história da família. E a história começa em Alepo, na Síria, após uma briga entre dois irmãos. O avô de Claudia, Salim Chilazi, depois de levar um tapa na cara de seu irmão mais velho, saiu de casa sem rumo e acabou chegando à Argentina. De lá, veio ao Brasil em 1915 e foi para a Amazônia, onde fez o seu primeiro lar no país e chegou a contrair malária, tendo sido curado por indígenas da região. Aos poucos, como muitas famílias faziam naquele tempo, Salim trouxe parentes para o Brasil. Antes de se instalar no Rio de Janeiro, ele ainda passou pelo Nordeste, onde abriu sua primeira loja de bijuterias. Como Claudia diz, sua família percorreu quase todo território brasileiro, terra que sempre os acolheu de braços abertos.


Todavia, foi na cidade carioca, em 1926, que a história de Claudia ganhou páginas em Armênio, quando seu avô reencontrou uma conhecida de sua adolescência, Munira Bogocian, uma jovem descendente de uma família armênia da cidade Mardin. Suas descendências são motivos de orgulho para Claudia, que carrega amor e admiração pelos dois países. Da Síria, ela herdou a devoção pela Nossa Senhora do Líbano. A imagem da santa está presente no dia a dia e na parede do Atelier Chilaze através de uma imagem. Da Armênia, ela carrega a recordação de um gosto especial, um pastel da região que comia quando criança. O pastel que conquistou seu coração se chama Chambeurek e era feito por sua tia Lúcia. “É um pastel maravilhoso que eu nunca comi em outro lugar, não vejo em outro lugar. Minha tia fazia e assim que ela faleceu, eu não comi mais. Eu tenho esse gosto na minha boca, uma recordação inesquecível e especial”.


A imagem da Nossa Senhora do Líbano fica ao lado do balcão, exposta para todos que entrarem na loja. | Foto: Vanessa Barcellos

Claudia se lembra de cada detalhe da história da família que já foi contada tantas outras vezes por seu pai, Anis Chilaze. Aos 91 anos, Sr. Anis é ativo e vai todos os dias trabalhar mesmo já sendo aposentado. Tempo para conversa? É claro! Sr. Anis não dispensa uma boa conversa, mas, é claro, só depois do trabalho. Ele permanece focado fazendo as anotações das peças e ajustando detalhes das mercadorias dos clientes.



Foi o pai de Claudia, inclusive, que a incentivou a trabalhar com o que ela sonhava. Mesmo depois de se formar em Comunicação pela Estácio de Sá em 1990, Claudia sempre manteve a paixão e a esperança em um dia trabalhar com comércio e moda. O primeiro contato que teve com esses universos foi dado através de um empurrãozinho de seu pai, que a indicou para uma amiga dona de uma butique em Ipanema e falou: “Ah, já que você quer trabalhar com bijuteria, primeiro apura o seu gosto!”. Depois de aprender um pouco mais sobre acessórios, Claudia finalmente começou a trabalhar com seu pai, que já trabalhava nesse ramo na Saara desde 1946, aos 16 anos de idade. Mas não foi por muito tempo, já que os filhos do Sr. Anis e irmãos de Claudia, Sandra e Flávio Chilaze, decidiram abrir uma nova marca.


Os caminhos começaram a se abrir para a loja de Claudia apenas em 2013, quando foi desfeita a sociedade com Flávio, tendo continuado esta apenas ao lado de Sandra. A produção própria começou, as vendas aumentaram e houve até um convite diretamente de Paris da Le Bon Marché para um desfile. A marca das irmãs naquele momento se chamava Rubi e a mudança também veio junto dos bons ventos que sopraram da cidade francesa: “A diretora do Le Bon Marché, a Ana Luiza Pessoa de Queiroz, falou pra mim: ‘Claudia, você tem tudo pra explodir, mas o teu nome é péssimo. Rubi não é nada! É nome de uma pedra, não tem identidade. O teu sobrenome é tão lindo, por que você não põe uma coisa com o teu sobrenome?’. E ela me deu esse clique! Na hora conversei com a Sandra e a gente trocou o nome para Atelier Chilaze”.


De um lado loja de acessórios. E do outro? Também! Andar pelas ruas da Saara é notar em cada loja uma oferta diferente. Muitos vendedores gritam, anunciando a promoção: “Colar folheado paga apenas R$ 10,00! Vem moça bonita, tem pra você também”. Na maioria das vezes, a loja que vende mais barato acaba vencendo a disputa. Por ser localizada bem no Centro do Rio, um dos maiores desafios de um comerciante da Saara é conquistar a atenção do cliente em meio a tantas lojas. Mas se esse for o problema tudo bem, afinal, cores? Temos. Design único? Temos. Personalidade? Temos. A saída que Claudia encontrou para conquistar seu público é a mesma que a fez optar pela troca do nome de sua marca: a inovação. “Quem vê minha peça em outros lugares reconhece que é minha, então eu acho que tem que ter muita personalidade. A gente veio com uma moda de muita personalidade num lugar que tem lojas muito parecidas umas com as outras. A minha não, eu que crio, sai da minha cabeça”.


Claudia é responsável pela criação dos acessórios que vende no Atelier Chilaze. | Foto: Vanessa Barcellos

Fernanda Veloso, de 27 anos, é cliente frequente do Ateliê e já tem mais de dez colares idealizados por Claudia em seu guarda-roupa. De tranças, brincos amarelos e com as mãos cheias de peças, preparada para aumentar a coleção de acessórios, ela diz que, mesmo pagando mais caro que nas outras lojas da Saara, vale a pena comprar no ateliê. “Antes comprava pulseiras e cordões de uma outra loja aqui no Centro, eram cordões de plástico e eles não duravam, simplesmente não duravam. Outro dia passei aqui em frente e me encantei. Ainda mais quando descobri que eles são preocupados com o impacto que causam no meio ambiente.”



A empatia e a maternidade andam de mãos dadas na vida de Claudia Chilaze. Nas paredes do seu escritório, há fotos das duas filhas, Fernanda e Manuela. Ao lado, fotos do catálogo sustentável que ela produziu para o Minas Trend. “A gente precisa ver o mundo pensando também no outro. Não adianta eu ganhar o dinheiro e depois deixar um mundo pior pras minhas filhas. No que eu puder não prejudicar já tá ótimo, mas se eu puder ajudar então, melhor ainda”. A marca criada por Claudia tem como base a redução da produção de lixo através de medidas ecológicas, como utilizar o mínimo de plástico em suas mercadorias.


No início de 2020, Claudia precisou arregaçar as mangas e pensar em alternativas para manter a loja funcionando. A pandemia do novo coronavírus afetou intensamente o comércio da Saara e hoje, um ano depois, já é possível notar as consequências da crise com inúmeras lojas fechadas na região. A alternativa que ajudou o Atelier Chilaze a se manter foi a criação de um site para vendas. Com a reabertura do comércio, as peças antigas foram reutilizadas para a criação de novas coleções. Além de precisar fechar as portas e pensar em medidas para driblar a crise, Claudia e sua irmã Sandra tinham mais uma preocupação: seus fornecedores. O Ateliê Chilaze recebe inúmeras peças por mês de artesãos do interior do Rio, Ceará e Bahia, muitos deles pessoas simples que trabalham apenas com a fabricação desses materiais. Com duas feiras preparadas e as produções finalizadas, as irmãs não viram outra alternativa a não ser honrar os compromissos com os artesãos de palha e resina. Depois do aumento no número de casos na pandemia, as duas ainda decidiram que iriam fornecer aos funcionários uma ajuda com cestas básicas.


Além de trabalhar com moda e comércio, outro grande sonho de Claudia era a maternidade. Depois de perder três gestações, sua primeira filha, Fernanda, nasceu prematura em novembro de 1999.A canção de Marisa Monte “Amor I love you”, de 2001, marcou Claudia e ela conta que é seu “hit” com as filhas. Sua segunda filha, Manuela, chegou em 2003. Entre as músicas que marcam sua vida, ela não dispensa “New York, New York”, de Frank Sinatra. A canção embalou momentos especiais de pai e filha nas pistas do Clube Monte Líbano, frequentado pela família.


Claudia monta os colares pilotos para servirem de base na produção. | Foto: Vanessa Barcellos

Seja na família ou no trabalho, os laços que construiu são o maior orgulho de Claudia, que procura de se dar bem com todos à sua volta. Quando não está imersa no universo do Atelier Chilaze, ela busca se divertir em casa mesmo. Se tiver rolando um japa no jantar, melhor ainda. Porém, mesmo caseira, Claudia mantém pelo trabalho uma paixão incondicional. O sorriso se abre e o brilho no olhar se torna mais forte ao ouvir a pergunta: o que o Ateliê significa na sua vida? “Tudo! Eu sou uma pessoa apaixonada no trabalho, eu trabalho no que eu gosto, no que me dá prazer! Eu trabalho de domingo a domingo, pesquiso até quando eu estou no meu lazer. Agradeço a Deus todo dia porque eu trabalho no que eu gostaria de trabalhar”. Assim, a vida de Claudia se encaixa perfeitamente naquele dito popular: quem trabalha com o que gosta vive de férias.


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