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  • Foto do escritorVanessa Barcellos

Iran Bassil e os temperos das memórias

Texto feito para o Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo na Universidade Federal Fluminense.


Não há quem passe pelo início da Rua Senhor dos Passos e não perceba uma pequena padaria de 25 metros quadrados com azulejos pretos e brancos. O sentido visual é aguçado pelo aroma, indicando que a esfirra de carne acabou de sair do forno à lenha. “Padaria Bassil, desde 1913”, diz o letreiro que anuncia a padaria de culinária árabe no meio da Saara. Dentro, percebemos um senhor que, com seus 62 anos de idade, embala, calmo e atencioso, os pedidos de uma cliente.


Iran Bassil faz parte da terceira geração da família de imigrantes que vieram da cidade de Badroun, no Líbano. Ele se movimenta cautelosamente, sabe onde fica cada item no balcão da padaria. De cabelos grisalhos, tem a boca escondida atrás da máscara, mas os olhos castanhos denunciam qualquer sinal de sorriso chegando.


O primeiro contato de Iran Bassil com o forno à lenha foi ainda na infância, quando acompanhava seu pai na padaria. | Foto: Vanessa Barcellos

Assim como a história da padaria, os temperos também foram passados de geração em geração. Iran não conheceu seu avô Tufi Bassil, mas conta que teve com a avó Regina Riff as primeiras experiências com a culinária árabe. “A avó que fazia comida e fazia muito bem!”. Como no caso de outros comerciantes dessa região do Centro do Rio, a Saara foi o ponto de partida para o negócio da família, que, mesmo diante das dificuldades, faz de tudo para manter a empresa de pé. Com a pandemia do novo coronavírus, Iran precisou enfrentar uma grave crise, que considera ser a pior da história da padaria centenária. “O pior momento da padaria tá sendo agora na pandemia. Afetou tudo, não tinha ninguém na rua. A gente ainda podia abrir por ser uma padaria [ou seja, um serviço essencial], mas ficava vazio porque quem vinha muito eram as pessoas dos escritórios e na pandemia o pessoal tá trabalhando em casa e eles não vão sair de casa pra vir aqui, né?”. A saída que Iran encontrou foi o delivery, que já era usado por eles há quatro anos e que, para driblar a crise, foi ampliado com o usos de aplicativos.


O Sr. Iran é advogado, formado em Direito pela Sociedade Unificada de Ensino Superior e Cultura (SUESC), localizada perto da Saara, na Praça da República, e a vida como comerciante começou quando ele menos esperava. Iran frequentava a padaria desde pequeno, assim como seus irmãos Marcelo e Márcia, mas nunca havia trabalhado nos negócios da família. Só quando Maurício Bassil, seu pai, adoeceu, ele passou a se dedicar à padaria. Ainda tentou conciliar a nova rotina com a vida de advogado, mas não foi possível e precisou deixar os processos de lado e botar de vez a mão na massa - literalmente! Mas engana-se quem pensa que ele não gosta do que faz: o brilho nos olhos e a leveza no dia-a-dia são indícios de seu amor pela Padaria Bassil.


Iran e o sobrinho Hugo trabalham lado a lado na Padaria Bassil. | Foto: Vanessa Barcellos

“Se eu precisasse resumir meu tio Iran em uma palavra? Eu diria especial, pela dedicação, pelas coisas que ele aprendeu convivendo, pelas coisas que ele me ensinou com paciência”, conta Hugo Bassil, sobrinho de Iran, que divide com ele desde 2015 a liderança do negócio da família. Filho do irmão de Iran, ele considera o tio uma referência, com quem adquiriu muita experiência no trabalho e na vida.


Ao sair do balcão e entrar na cozinha, os elogios também aparecem, mas dessa vez a brincadeira toma conta da cena. “Sr. Iran? Ele é bom! Dos piores, ele é o melhor!”, diz Edson, o chefe da cozinha e funcionário da padaria há mais de 25 anos. Com as mãos na massa, preparando as famosas esfirras para entrar no forno à lenha, ele se empolga ao contar sobre sua relação com o patrão que carinhosamente o chama de “Birinha”. “A gente sempre se fala fora do trabalho também. Ele vive perturbando a gente, é muito carente! (risos) Tem um grupo no zap da gente, grupo do trabalho e lá conversamos sempre com ele. Ele nem parece ser nosso patrão”.


No rádio, o pagode toma conta do ambiente e Edson prepara a massa das famosas esfirras. | Foto: Vanessa Barcellos

Se o relógio marcar 13h40 no sábado, a cozinha da Padaria Bassil já começa a se animar. Isso porque Iran e os funcionários fazem todo sábado, às 14h, uma confraternização para comemorar. E adivinha? Sempre rola uma boa cerveja gelada.



Fora da padaria Iran leva uma vida tranquila. Casado e morador da Tijuca, bairro na Zona Norte do Rio de Janeiro, é caseiro e dispensa qualquer farra por um dia calmo no sofá de casa ao lado das filhas Tabata, Taiana e Janaina. Sair? Só se for para caminhar pelo Maracanã ou na Lagoa Rodrigo de Freitas. De vez em quando, vai para a cozinha e deixa a casa perfumada com o cheiro dos temperos da família. Como bom carioca, carrega no peito o amor pelo futebol, tendo herdado do pai o amor pelo Botafogo.


O time preto e branco tem espaço na padaria não somente pelo quadro pendurado na parede com o emblema do clube carioca. Em 1962, o pai do Sr. Iran recebia na padaria a visita frequente de Garrincha e Jordan, jogadores do Botafogo e do Flamengo. Um belo dia, os dois atletas perguntaram a Maurício se poderiam fazer uma aposta, já que a final do campeonato carioca daquele ano seria protagonizada pelos dois times. A aposta era: o jogador do time perdedor da disputa pagaria uma reforma inteira para a padaria com azulejos nas cores do time vencedor. O Botafogo conquistou a vitória em cima do Flamengo com três gols do Garrincha e sobrou para Jordan pagar a aposta. Assim, a Padaria Bassil ganhou a cara que tem hoje, com azulejos preto e branco, o que pro Sr. Iran foi um alívio, né? Já pensou tudo vermelho e preto? “Nem me fala, porque eu sou botafoguense! Eu ia achar muito feio e ia falar pra tirar depois”.


A história da aposta sempre arranca risadas do Sr. Iran, afinal, quem não gosta de recordar a vitória do time do coração? Ainda mais se quando ela faz parte da história de sua família. Mas esse não é o único assunto que faz Iran sorrir. O outro tem um cheiro inconfundível e um sabor inigualável. A esfirra de carne da Padaria Bassil carrega muita memória, temperos que explodem na boca e o favoritismo de Iran. E o motivo? “É porque na verdade é uma receita única, né? É uma receita que veio com a primeira geração da família, então tem um gosto muito marcante. Aquele tipo de tempero é na verdade pra gente, remete muito a história da nossa família”.


Ricardo Pereira frequenta a padaria há mais de 20 anos e o que não faltam são elogios para ela e o Sr. Iran: “Eu já conhecia a padaria porque eu trabalhei aqui perto então eu já a conheço há bastante tempo. Tem uns 25 anos que venho aqui. A padaria é de excelência, e a esfirra de carne não tem melhor! Os produtos deles são muito bons e o atendimento do amigo Iran também!”. Já Vera Brito é conhecida de longa data, pois seu marido e Iran estudaram juntos no colégio. Mesmo morando na Zona Norte, sempre que ela vai à Saara dá um jeito de dar um alô: “Eu moro em Olaria é longe, mas sempre que venho ao Centro passo aqui. No começo da pandemia senti falta das esfirras, elas são minhas favoritas!”.


Nas paredes da padaria estão exibidas fotos e reportagens sobre a história e memórias da família Bassil. | Foto: Vanessa Barcellos

Nas paredes da Padaria vemos entrevistas de personalidades como Regina Casé e Estevão Ciavatta. E adivinha? Todos são apaixonados pela esfirra de carne. Não precisamos ir muito longe para comprovar isso, os funcionários, os clientes e inclusive quem vos fala aqui, concorda: a esfirra é de fato irresistível!


Quando perguntamos o que a receita da esfirra de carne tem de tão especial, Sr. Iran ri e desconversa. É confidencial e guardado a sete chaves! Mas a verdade é que tanto a esfirra quanto o Sr. Iran possuem mais coisas em comum do que podemos ver. Essa é a explicação para serem tão memoráveis. Enquanto a bendita receita não é descoberta, o que resta é saborear os temperos da esfirra e das memórias de Iran. Quem sabe numa próxima a gente descobre...


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